Lembrete: A Poesia que Nasceu na Luta
Mais do que versos, este é um exercício de resiliência
Lembrete
Cortejas frustração e tédio, se amas o ócio.
Inércia é chafurdar na ignorância.
A vida é o espetáculo da inconstância.
O tempo é nosso algoz, não nosso sócio.
Perseguir o tempo é, sim, amar a vida.
Só superando-o ele se torna manso.
Ei, não é a sombra que traz descanso,
E fresca a vida deve ser bebida.
"Lembrete" é um poema escrito em um período da vida no qual eu mais trabalhei. Eu era doméstica em uma época em que era comum famílias mais abastadas terem uma menina do interior servindo em sua casa. Comecei a trabalhar seis dias antes de completar 12 anos e, aos treze, fui doméstica em um regime de trabalho que começava às seis da manhã e terminava às onze da noite. O papel higiênico cor-de-rosa e o sabonete barato eram descontados do meu salário minguado. Dormia em um cubículo úmido e tomava banho em um chuveiro que não esquentava em uma Curitiba enregelante. Ainda assim, senti necessidade de me exortar a fazer mais. Afinal, eu precisava não apenas trabalhar; eu precisava estudar e lutar por um futuro melhor. Aliás, esse primeiro emprego de doméstica terminou de forma violenta, com minha expulsão da casa quando pedi para estudar à noite.
Eu nunca bebi a vida fresca. Ela precisa fermentar e amadurecer em minha percepção antes de ser bebida. Por vezes, ela me embriaga e adormeço exausta, sentindo-me culpada por não dar conta de processar tudo a tempo e por não ter energia para fazer tudo a tempo. Isso protelou meus estudos. Ainda adolescente, precisei escolher o trabalho e poupar meu corpo, que dormia sobre a carteira, enregelado de frio, nas aulas noturnas. Isso também protelou meus embates com um sistema de ensino que não foi feito para a diversidade e que teria me escorraçado e frustrado meus sonhos de fazer faculdade. Cursei a maior parte do ensino médio na modalidade EAD, depois dos 20 anos, e concluí fazendo o famoso "provão", que, estranhamente, me rendeu notas altas nas ciências exatas, nas quais eu tinha extrema dificuldade.
Com isso, meus embates com o sistema de ensino vieram nos últimos dois dos oito anos que levei para concluir uma graduação, depois de duas trocas de curso e duas pausas entre elas. Esses embates permearam minha carreira acadêmica a partir daí. Quanto mais presente, assertiva e disposta a beber a vida fresca, mais apanhei de um sistema que comumente extravia os que não se adequam à norma.
Fato é que, apesar de nem sempre ter correspondido às expectativas do mundo em relação ao tipo de trabalho que me era facultado por "direito" de nascimento, minha atividade intelectual sempre existiu para me orientar, mesmo que me exortando a atender expectativas que eu não fui feita para atender.